Noise Reduction ON

A minha anciã aparelhagem têm o botão de Noise Reduction que visa tirar o ruído de fundo de uma cassete áudio. Imaginando que esse mesmo botão teria o dom milagroso de retirar a batida electrónico-sintética, abafar as decibélicas guitarras e os excessos dos sintetizadores, apagar os artifícios visuais dos videoclips que acompanham a canção e que chegam a sobrepor à mesma. Imaginado que um simples botão podia fazer isso, restaria a singela e muitas vezes poderosa composição poética de uma canção.

Dez artistas, prescindem de tal botão mágico e reimaginam 10 músicas que todos conhecemos num tom bem diferente.

Travis “Baby Hit Me One More Time
Original Britney Spears

Todos conhecem o tema que catapultou Britney Spears para a fama, mas, confessem, não se apercebem do conteúdo da canção. Eu própria interrogava-me: que raio de música esta cuja protagonista pede que lhe batam mais uma vez! O público masculino, demasiado ocupado a olhar para a esbelta figura de Lolita em fato escolar, é alheio ao significado da canção. Subtraindo a carga sexual que emana da figura adolescente de Britney Spears, abrandando o ritmo, o tema, cantado por um homem, transforma completamente a percepção. A música cantada pelo vocalista dos Travis ganha uma dimensão sofredora de um amante que não consegue lidar com o rompimento da sua apaixonada. “Oh pretty baby, I shouldn’t have let you go. The reason I breathe is you. My lonelyness is killing me“, é a mensagem que fica abafada com o abanar de ancas e batida pop de Britney.

30 Seconds to Mars: “Bad Romance
Original: Lady Gaga

Os 30 Seconds to Mars já tinham feito a mesma proeza com o tema “Stronger” de Kanye, abrandar o ritmo de modo a sobressair as palavras da canção. Voltam a fazê-lo num tema sobejamente conhecido pela interpretação excêntrica de Lady Gaga. Essa mesma extravagância desvia a atenção da dolorosa experiência de uma paixão que consome física e psicologicamente. A roupagem electro-pop escamoteia a profundidade emocional das letras compostas por Lady Gaga. Os 30 Seconds to Mars realçam, ainda que tomem liberdades com o tema original. “I want your psycho,
your vertigo stick. I want your love and I want your revenge. I don’t wanna be friends. No!”

Milow: “Ayo Technology”
Original: 50 Cent

Como seria de esperar no universo hip hop, as canções são injectadas com uma imagem exploratória da sexualidade feminina, aliás a marca registada dos videoclips. O original de 50 Cent, é completamente esquecido com a versão posterior de Millow. De algum modo, a maneira honesta e singela como interpreta a canção enaltece a sensualidade natural feminina. Ou talvez seja o facto deste rapazinho ser mais discreto que o 50 Cent e ter seguido o seu conselho, farto de tecnologia, muniu-se da guitarra acústica e voilá!

Youth Group: “Forever Young”
Original: Alphaville

www.youtube.com/watch?v=HtXKX6UgF1o
Quem cresceu na década de 80, conhece bem o tema dos Alphaville. A orgia de sintetizadores, a marca inconfundível dessa década, levou ao enjoo deste tema nas décadas que a procederam. A versão nostálgica dos Youth Group, reavivou o tema nas nossas memórias e tornou-se símbolo da juventude que esquecemos quando atingimos a maioridade. E tudo o que bastou foi substituir os sintetizadores irritantes por simples e vagarosos acordes de guitarra. “It’s so hard to get old without a cause, I don’t want to perish like a fading horse. Youth is like diamonds in the sun, and diamonds are forever. Do you really wanna live forever?”

Sinead O’Connor: “Sacrifice”
Original: Elton John

A voz de Sinéad é uma dádiva celestial, acredito que conseguiria extrair uma acutilante experiência emocional da leitura de uma receita farmacêutica. Quando interpreta canções de outros autores, concede-lhes corpo e alma sem necessitar de grande acompanhamento musical, e isso é extraordinário. A própria explica melhor que eu como interpretou o original de Bernie Taupin, na voz de Elton John. Consegue assim pôr a um canto a versão original com aquela batida indigna do relato de duas pessoas lutando para coexistir numa sólida relação a dois.

Silence 4: “Little Respect”
Original: Erasure

A versão que deu a conhecer os Silence 4 ao público é de uma dimensão diferente da original, interpretada pelos Erasure. Foi esta versão que fez sobressair a mensagem da canção. Respeita-me. É que ninguém chegaria a essa conclusão com os sintetizadores a altos berros. A já extinta banda portuguesa, despiu a canção e simplesmente expôs as palavras. Há ainda uma outra versão deste mesmo tema, só com a guitarra acústica e num ritmo ainda mais pausado. (A very) Little Respect é igualmente fenomenal.


Chris Cornell: “Billy Jean”
Original: Michael Jackson

Não digo que a versão de Chris Cornell suplanta o original de Michael Jackson, o tema extraído do icónico álbum “Thriller”, no entanto a versão melancólica de Cornell realça a triste (e verdadeira) história de uma fã que jurava ser a mãe de um filho de Jackson. She told me her name was Billie Jean, as she caused a scene. She’s not my lover, she’s just a girl who claims that I am the one, but the kid is not my son.

Guns n’Roses: “Crazy”
Original : Guns n’ Roses

Às vezes é a própria banda que opta por abrandar o ritmo alucinado de um tema que compôs. As canções que se seguem são disso um bom exemplo. A letra de “You’re Crazy” na versão speedada
é quase imperceptível, na versão acústica expões uma relação de amores desiguais.

Bon Jovi: “Living on a Prayer”
Original Bon Jovi

http://www.youtube.com/watch?v=MpoFmqSzgls

Adoro esta canção desde que a ouvi pela primeira vez, no auge dos meus nove anos. Confesso que nos primeiros anos não era exactamente a música que captava a minha atenção, mas energia do vídeo que mostrava a actuação dos Bon jovi ao vivo. Naquela altura não era particularmente versada na língua inglesa. Dez anos depois, após ouvir pela primeira vez a versão acústica, percebi do que a canção tratava. Um casal a tentar sobreviver as adversidades da vida, a comovente história de Tommy e Gina.

Soul Asylum: “Closer to the Stars”
Original: Soul Asylum

Com reconhecimento internacional possível graças ao álbum Grave Dancers Union de 92, poucos sabem que os Soul Asylum existem como banda desde 1981, adoptando uma sonoridade punk rock. Closer to the Stars é uma tema do terceiro álbum e um de muitos temas que a banda reverteu para a versão acústica, nomeadamente para o unplugged da MTV. “Closer to the stars” conta a história de uma jovem que se prostitui, sonhando uma vida melhor. “Somebody wanna show you’re muscle? With second hand excuses that never went too far. What’s this sin you’re making? You’re ideas have been taken. You’ll sleep when you’re awaken, alone in someone’s car.” A excelência na composição de Dave Pirner perde-se na versão hiper electrizada.

http://www.youtube.com/watch?v=hIMQkGDH_MM

Playlist «Noise Reduction On»

  1. Travis “Baby Hit Me One More Time
  2. 30 Seconds to Mars: “Bad Romance
  3. Milow: “Ayo Technology”
  4. Youth Group: “Forever Young”
  5. Sinead O’Connor: “Sacrifice”
  6. Silence 4: “Little Respect”
  7. Chris Cornell: “Billy Jean”
  8. Guns n’Roses: “Crazy”
  9. Bon Jovi: “Living on a Prayer”
  10. Soul Asylum: “Closer to the Stars”

Soul Covers

O tempo continua cinzento e o Mixtape prolonga o período introspectivo. A frase que serve de mote para uma compilação que reúne versões de temas que ganham alma na voz de outros intérpretes, foi proferida numa cerimónia dos prémios Grammy em 1990. A apresentadora, introduziu o tema da actuação de Sinéad O’Connor da seguinte maneira “Prince, escreveu a canção, Sinéad deu-lhe alma…” A canção em questão, “Nothing Compares to You”, foi o single de catapultou Sinéad para a fama. Todos conhecem a canção na voz da cantora irlandesa, mas poucos sabem que a canção foi escrita e cantada por Prince. 

Há muitas outras canções que se destacam na voz de outros intérpretes. Eis algumas das minhas favoritas.

“Nothing Compares to You”, Sinead O’Connor
(original: Price)

Sinéad canta o tema como se vivesse dentro de si durante anos, a sua cândida voz expressa um sofrimento muito seu, apesar do tema não ser da sua autoria. A maioria assume que ela canta a saudade de um amor que acabou, mas segundo a própria, ela canta pensando na mãe que durante anos lhe infligiu sofrimento e só após a sua morte conseguiu sentir compaixão por ela. A lágrima solitária que cai sobre o seu rosto no vídeo, não é algo encenado e o sofrimento que destila da sua voz, também não…

“Halleluiah”, Jeff Buckley
(original: Leonard Cohen)

Para mim, a voz é muito importante e é, muitas vezes, o factor decisivo para gostar ou não de uma canção. Leonard Cohen é um compositor prendado, não o posso negar, mas a sua voz é como o som de unhas deslizando em quadro negro – insuportável. As suas canções na voz de outros intérpretes ganham uma nova dimensão e colocam o foco de atenção nas palavras que compôs. Halleluiah, na voz de Jeff Buckley ganha uma dimensão etérea. Um sigelo som de guitarra eléctrica complementa os versos suspirados em voz angelical. Buckley faz deste tema uma quase experiência religiosa que deixa qualquer ateu rendido.O meu adorado Damien Rice também canta este tema, mas,nem ele, nem nenhum outro chega aos pés de Jeff Buckley.

“Dance me til the End of Love”, Kate Gibson
(original: Leonard Cohen)

E para não me baterem, quando digo que a voz de Leonard Cohen é-me insuportável, reforço a minha convicção que as palavras de Cohen, na voz de outros cantores ganham uma nova vida, com outro exemplo. Este tema insere-se na banda sonora do filme “Strange Days” e não se afasta muito do registo musical do original, porém na voz de Kate Gibson revela-se uma experiência muito diferente.

“Help”, Silence 4
(original:Beatles)

Os Silence4 chamaram a atenção até si com uma versão muito bem conseguida de um tema dos Erasure: “A Little Respect”. Esta não foi a única versão que fizeram ao longo da curta carreira, mas a mais controversa foi uma versão de um tema dos imortais Beatles. A razão da controvérsia foi a distância abismal da música original, mas é precisamente isso que me faz amar o tema. Enquanto, os Beatles e outros intérpretes mantiveram a sonoridade jovial e alegre (como descrevendo um adolescente ás aranhas com a puberdade), os acordes de Rui Costa e a voz de David Fonseca em sintonia com a de Sofia Lisboa, deram ao tema o tom angustiante que merecia.

“Just Don’t Know What to do With Myself”, White Stripes
(original Dionne Warwick)

Outro exemplo de diferença abismal entre o original e a versão. Os Whites Stripes não só adoptam um som lânguido e sensual ao tema R&B de Dione Warwick, como proporcionam um videoclip espectacular realizado pela Sofia Copolla (sim, ela mesma!)que incute em mim uma irresistível vontade de me matricular num curso de pole dancing (a sério…).

“Hurt”, Johnny Cash
(original: Nine Inch Nails)

Este tema teve a sua quota parte de versões, confesso que todas elas me passaram ao lado, até ouvir a versão tocada e interpretada por Johnny Cash. A pouco tempo de morrer, gravou o vídeo mostrando um muito envelhecido Cash. Carrega nos ombros o peso desta canção como se saísse do seu interior, uma reminiscência dos anos de dor emocional causada pela perda do seu irmão e os muito excessos a que sacumbiu. Esta é a sua canção de redempção e é impossível não se deixar levar pela emoção ao vê-lo cantar:“If I could start again, A million miles away, I would keep myself, I would find a way”

“Lhorando”, Rebeka Del Rio
(original: Roy Orbison)

Tanto o original de Roy Orbison, como a versão em companhia de KD Lang são boas, mas esta, cantada em espanhol na portentosa e triste voz de Rebeka corta-me a respiração,(ainda mais fazendo parte de uma cena chave do filme de Lynch “Mulholand Drive”). Em acapella, a voz da mexicana Del Rio é forte o suficiente para sentirmos a dor da uma separação retratada na canção.

“Stronger”, 30 Seconds to Mars
(original: Kayne West)

Confesso que demorei um pouco a perceber o vestígio do original de Kayne West. A letra ganha maior relevância com este sedutor arranjo musical. A voz doce sussurrante de Jared Leto imprime uma dimensão emocional mais forte que o dançante original. A batida da bateria no refrão lembra um bater de coração desassossegado. Brilhante!

“Conta-me Histórias“, Clã
(original: Xutos e Pontapés)

Eis um arranjo que não se afasta muito do original dos Xutos e Pontapés, mas é tocado em ritmo mais lento, lânguido, sensual e abençoado com a belíssima voz de Manela Azevedo. Uma bonita história de amor que brilha mais em voz feminina.

“Girl, You’ll Be a Woman Soon”, Urge Overkill
(original: Neil Diamond)

Em comum, o original e a versão apenas têm a letra. O arranjo musical dos Urge Overkill faz de uma canção pimba made in USA, um deleite para os ouvidos. Som voluptuoso das guitarras e voz rouca e sensual do vocalista relegam o original de Neil Diamond para o total esquecimento. A imagem de Uma Thurman a dançar os som deste tema, imortalizaram a canção no consciente colectivo.

“Last Kiss”, Pearl Jam
(original: J. Frank Wilson and the Cavaliers)

Das muitas versões que os Pearl Jam fizeram ao longo de duas décadas, esta é a minha favorita e relançou a banda de Seattle para os tops, embora nunca tivessem saído da lista de preferência da extensa comunidade de fãs. Este tema, ao vivo, é grandioso, sentido no meio de uma multidão que canta em uníssono estes versos. No concerto do Restelo em 2000, um problema com a bateria deu origem a uma inesquecível introdução acapella protagonizada por Eddie Vedder e o público.

“Running up that Hill“, Placebo
(Original: Kate Bush)

A extensa lista de covers feitas pelos Placebo já proporcionou um álbum compilando as melhores. É difícil escolher uma favorita, mas tendo em conta o tema, escolho esta. O arranjo musical do original de Kate Bush imprime uma paixão em intensidade orgásmica que é ampliada quando tocada ao vivo. A voz de Brian Molko é particular e fora do comum, mas para mim extasiante.

I Don’t Like Mondays”, Tori Amos
(original The Boomtown Rats)

Na voz e mãos de Tori Amos, esta canção transfigura-se completamente e ganha uma nova vida como uma canção de embalar. Um cunho muito pessoal que só a doçura da voz de Tori e o sibilar do seu piano consegue fazer.

Mad World”, Gary Jules
(original: Tears for Fears)

A versão de Gary Jules, imprime uma melancolia e tristeza que nos transmite a verdadeira dimensão dos versos originais da banda dos anos 80 Tears for Fears. A maneira como canta: “I find it kind of funny, find it kind of sad. The dreams in which I’m dying are the best I ever had” encaixa-se na perfeição no ambiente do filme surpresa “Donnie Darko”, do qual faz parte. Aqui, um video feito com imagens do filme.

Song to the Siren”, This Mortal Coil
(original: Tim Buckley)

O vídeoclip pode ser foleiro, mas a versão feita por This Mortail Coil, suplanta o original de Tim Buckley. Esta canção já conheceu inúmeras versões, mas a voz de Elizabeth Fraser parece a de uma ninfa que encanta os navegadores em odisseia pelo mar, ou fervorosos amantes de música.

 Soul Covers Playlist

  1. “Nothing Compares to You”:, Sinéad O’Connor
  2. “Halleluiah: Jeff Buckley
  3. “Dance Me til the End of Love”: Kate Gibson
  4. “Help”: Silence 4
  5. “Just Don’t Know What to do With Myself”: White Stripes
  6. “Hurt: Johnny Cash
  7. “Lhorando”: Rebeka Del Rio
  8. “Stronger”: 30 Seconds to Mars
  9. “Conta-me Histórias”: Clã
  10. “Girl, You’ll Be a Woman Soon”, Urge Overkill
  11. “Last Kiss”: Pearl Jam
  12. “Running up that Hill”: Placebo
  13. “I Don’t Like Mondays” : Tori Amos
  14. “Mad World” : Gary Jules
  15. “Song to the Siren”: This Mortal Coil